Per astra ad astra
O fantástico mundo da ciência oculta – descobri-me um prolixo proxêmico.
Gosto muito de lasanha, sagu e espaçonaves.
Espaçonaves eu sempre me interessei de forma mágica, uns canos metálicos com fogo no rabo que subiam mais do que caíam. Conseguiram parar, pairar e flanar no meio do espaço, davam umas boas estilingadas na lua, piruetas, uns peidinhos estabilizadores e caíam, afinal, ardendo em chamas.
A Apolo 1 ardeu, e de forma brutal em um ensaio técnico de lançamento. Incinerou os seus 3 cosmonautas, e a eles, na intersecção entre o sofrimento e a transcendência, a placa de homenagem em latim recitava: Per aspera ad astra. Uma manifestação linguística densa da sua simplicidade sintática para revelar uma profunda verdade sobre a condição humana.
Aos astros por caminhos ásperos. Aos céus por caminhos tortuosos e espinhentos. Aos céus, mesmo que sua raba incandesça.
O conceito ecoa quase como a teoria falaciosa de crescimento pós-traumático de Calhoun, onde o petardo não é meramente um obstáculo a ser superado, mas um catalisador fundamental para a transformação pessoal. As «estrelas», neste contexto, representam não apenas objetivos externos, mas a individuação - o processo pelo qual um bocoió fragmentado busca sua totalidade através da integração consciente do sofrimento.
A metáfora da aspereza evoca o conceito existencialista de um desespero necessário, um Kierkegaard das avessas - aquele momento de confronto com o vazio que precede a autenticidade. É através desta capotada de chevetão espacial que vem a ideia de emergir não apenas mais forte, mas fundamentalmente transformado, num processo de neuroplasticidade adaptativa. É a fenix de camiseta de vereador, saindo dos escombros enferrujados e retorcidos daquilo que outrora fôra um carro podre e sem valor comercial, batendo poeiras, cuspindo dentes, enxugando sangues das testas e gritando a plenos pulmões: é isso? acabou? bate, bate mais que não doeu!
O fascínio pelo céu estrelado, aqui simbolizado pela astra, irrompe o mero escapismo para manifestar o arquétipo da transcendência - o impulso primordial que compele o sobrevivente, agora todo rasgado do acidente, a buscar significado além do imediato, além do cheiro de gasolina e do barulho agudo do rolamento empenado da roda que ainda gira, mesmo quando confrontado com a aparente absurdidade da condição de bater e não morrer.
Per aspera ad astra não é uma simples promessa de recompensa após o sofrimento, mas uma articulação da própria dialética da existência humana: é precisamente através da integração consciente do jeito que a gente apanha, capota, leva na cabeça e dos resultados que alcançamos não apenas as metafóricas estrelas, mas em uma compreensão mais profunda de nossa própria natureza.
É preciso quase morrer para viver. É preciso moer o chevetão para respirar um ar renovado de vida. É preciso sentir a resistencia cada vez mais pesada no seu peito, para empurrar de volta com o peso do seu corpo, arquear mais até quase cair. Mas não vai cair porque a resistência tem aquele jogo fisico dos vetores que não sabem muito bem se anular.
Alexandre Wollner foi um artista que eu gostaria de ter trabalhado junto. Não deu certo porque não éramos da mesma cidade, da mesma escola de artes, da mesma idade nem da mesma era profissional. Mas fica a vontade notada.
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Há palavras que carregam em si toda a força da natureza, e williwaw é uma delas. Aprendi esse verbete quando passei pelas geladas águas do Estreito de Magalhães e da Terra do Fogo. O williwaw é um vento catabático que desce violentamente das montanhas em direção ao mar, transformando dias calmos em momentos de pura turbulência em questão de minutos.
A etimologia provavelmente vem das ilhas Aleutas, no Alasca. Foram os nativos Aleútes que primeiro deram nome a este fenômeno, criando uma palavra que parece imitar o próprio som do vento: "willi-waw". No século XIX, navegadores que cruzavam os mares austrais adotaram o termo, incorporando-o ao vocabulário marítimo internacional.
O williwaw não é um vento comum. Quando o ar frio e denso das montanhas nevadas encontra seu caminho para baixo, pode atingir velocidades de quase 200 km/h. Os marinheiros experientes dizem que é possível «vê-lo» se aproximando pelo padrão distintivo que cria na superfície da água, como se um gigante invisível soprasse sobre ela.
Arrrr.
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esse texto aqui é uma paulada de monjoleiro bem no meio dos picuás:
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A observação irônica de Borges sobre «viagens espaciais» escorrega uma reflexão mais profunda sobre nossa compreensão do espaço-tempo. Ele dizia que toda viagem, mesmo para o um bairro vizinho, é uma viagem espacial, pois acontece no espaço. Era o mesmo (dizia ele) que dizer «substâncias químicas». Enquanto nos movemos através do espaço tridimensional seguindo restrições físicas e conceituais (como ruas, panelas, e regras de trânsito), a física teórica sugere possibilidades mais exóticas de navegação espacial.
Os wormholes (buracos de minhocas – ou turú na madeira), teoricamente previstos pela Relatividade Geral de Einstein, são dobras no tecido do espaço-tempo que poderiam conectar dois pontos distantes através de uma «ponte». Similar a dobrar uma folha de papel sulfite não-pautada para conectar dois pontos riscados a caneta - mas requerendo uma quarta dimensão espacial - um wormhole poderia criar um atalho através do espaço-tempo.
A maior limitação para seu uso prático seria a energia necessária para mantê-los estáveis e atravessáveis. A teoria sugere que quanto maior a massa a atravessar o wormhole, maior a energia requerida, possivelmente tornando viável apenas a passagem de partículas muito pequenas ou objetos de massa reduzida. O ponto de tinta sim; a caneta aí já é pedir demais. Um astronautinha caveirento quiçá porventura; a Enterprise dele? nananinão.
Esta limitação física fundamenta-se no fato de que wormholes naturais seriam instáveis e colapsariam instantaneamente, necessitando de «matéria exótica» (com energia negativa) para se manterem abertos - um conceito ainda puramente teórico na física moderna.
Mas aí nem Borges, nem Einstein nem eu sabemos como proceder. Pauta a discutir.
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Aliás, a literatura da imaginação interespacial que catuca os gêneros editoriais fantásticos, da ficção científica e dos horrores cósmicos, tem mais âncora na imaginação do leitor e do autor do que na própria ciência.
É um universo onde a imaginação dança em perfeita harmonia com a razão, onde o impossível flerta com o provável, e onde o assombro é a moeda corrente que move tanto cientistas quanto sonhadores.
É uma dança peculiar, essa parceria entre autor e leitor. Como um pas de deux cósmico, o escritor executa suas piruetas mentais no vazio, mas precisa de um parceiro disposto a seguir seus passos através do desconhecido. Não é qualquer um que aceita esse convite para dançar entre as estrelas.
Na ficção científica, essa dança se torna ainda mais complexa. Ela empresta da ciência não apenas sua disciplina rigorosa e sua paixão pela precisão, mas algo muito mais precioso: seu amor pelo mistério. Como um eco do grande Richard Feynman, que declarava sem medo: "Não tenho medo pelo fato de não saber alguma coisa, pelo fato de estar perdido num universo misterioso." É esse mesmo espírito que habita as melhores obras do gênero.
Ray Bradbury, em suas Crônicas Marcianas, lembra que a era espacial nos transformou novamente em crianças - seres capazes de se maravilhar com o desconhecido. É essa mesma capacidade de assombro que moveu Galileu quando, dizem, abandonou seus planos de suicídio ao se fascinar com o movimento dos objetos na água.
É fascinante perceber como a literatura tem pautado a ciência ao longo dos séculos. Como diria o Padre António Vieira, "a admiração é filha da ignorância e mãe da ciência." Os escritores lançam suas imaginações em todas as direções possíveis, como exploradores mentais desbravando territórios desconhecidos. Alguns desses sonhos - como o foguete e a viagem à Lua - eventualmente se materializam. Outros, como a máquina do tempo, permanecem no reino do impossível (por enquanto).
Chesterton nos alerta que "o mundo nunca sofrerá uma escassez de maravilhas, e sim uma escassez de maravilhamento." É esse mesmo sentimento que Guimarães Rosa capturou em sua prosa hipnótica quando declarou: "esta vida, às não-vezes, é terrível bonita, horrorosamente, esta vida é grande."
É esse assombro - esse sense of wonder que a ficção científica tanto preza - que une os grandes sonhadores, sejam eles cientistas ou ficcionistas. É o que faz Carlos Drummond de Andrade contemplar A Máquina do Mundo com o mesmo temor reverencial que move um astrônomo diante de uma nova galáxia.
Porque no final, seja através da ciência ou da ficção, estamos todos tentando decifrar o mesmo mistério: este universo vasto e assombroso que nos cerca, e nossa pequena mas significativa parte nele.
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Esse video ocorreu em uma aparição notável da aurora boreal que resolveu chegar até ao sul da Inglaterra. É raro mas aconteceu algumas vezes esse ano. Gosto que o mundo (quiçá o universo) estejam entrando em um modo caótico para quebrar previsões e sabedorias.
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A foto ficou boa também, nessa noite de frio eu pensei e refleti muito se valeria a pena preparar todo o equipamento fotografico, uma termica de café quente e muita roupa de frio para ficar em um lugar gelado e escuro tirando fotos do céu em um tripé. O dia anoiteceu nublado e eu desisti. Antes de dormir pláu lá estava o céu vermelho de hecatombe sideral e eu com cara de jumento tirando fotos da janela do escritório, vestido de róbe de cetim grená e com pantufas confortáveis.
São as escolhas, meu queridão.
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amei o texto, tem nem o que comentar <3