0007/ Descolando da viscosidade
Juro que não sou esse pessimismo todo. Mas é que o contrato me pede para atuar igual a um trololó.
Para ler, escutando: Um godspell que busca as boas novas do Alabama com o vocal da Ethel Agee batendo maravilhosamente no fanque dos 70’s. O som pega na combinação do bom lo-fi e da bateria cadenciada. Travelling Home toca nessa edição 0007 não pelo cunho religioso mas sim pela forma respeitosa que a música gospel influencia a base do cenário musical moderno.
Hoje a guerra1 Ucrânia X Rússia roda a unidade do hodômetro do ano 000001.00 de confronto. Eu tinha recém saído do Ministério da Defesa (esse prédio branco/encardido das fotos abaixo) para uma nova carreira profissional quando a buia toda eclodiu de forma espiralada no caos.
Recebi o infosec dos milicos que teria um protesto na frente da No.10 e não pensei duas vezes fui lá engrossar o coro mas como todo cachorro velho eu tinha um pouco de receio sobre o que de fato essa pelêia impactava para os dois lados.
Minha visão desde a invasão não mudou muito, conheci bem os dois lados da guerra do lado de dentro (banda podre) e a complexidade do conflito é tão monstruosa que a roleta do pisar de ovos ainda é prioridade zero em tudo. O registro tá aí, enfim.
Nesse mundo caótico contemporâneo o meu sistema de auto-análise é bem eficiente. Como um psicólogo que prega a epistemologia de desenvolvimento, minhas decisões sempre entram em análise de segurança para qualquer ação independente do teor e da importância.
E isso é mau, muito mau.
Esses dias percebi que não comemoro mais conquista alguma. Nada. Emprego novo, aumento de salário. Sempre achei festa de aniversário um evento burro. Todo mundo faz aniversário, não tem mérito nenhum em celebrar. Estar vivo, por si só já é um feito, e nem por isso carece de comemoração. Você e mais uns bilhões por aí estão vivos, ó perolazinha da exclusividade.
Não sei mais quando eu liguei um føda-se bem fodido na minha vida. Mas é fato que eu me tornei mais amargo e pessimista como um todo. Tenho uns parentes mais velhos que seguiram pelo mesmo caminho e hoje são uns ermitões ranzinzas. É nessa hora que meu sistema de auto-análise começa a funcionar. Crio situações hipotéticas e projeto resultados variados para meu futuro incerto.
Mas nada disso funciona muito bem. Temperamento é um amontoado de usos, costumes e manias que é difícil — ou até mesmo impossível — de mudar.
Esses dias atrás estava reavivando uns balanços do passado. Minha vida foi sempre puxada para duas coisas que definem minhas perspectivas de solução: o pessimismo e o auto isolamento. Os relacionamentos, amizades, viagens, fotografias escondidas, fugidas e festas não comparecidas. O medo incógnito, a sabotagem, a rejeição e a barganha. O desespero do arrependimento. Ah, se tem uma coisa que me desespera é o arrependimento de uma decisão burra do passado. Eu tenho uma lista gigantesca das coisas que me arrependo de ter feito. Bem maior do que a lista das coisas que não me arrependo de ter feito.
Eu já levei umas patadas colossais da vida. Daquelas de arrodear o bico do Patolino. E esse tipo de trauma deixa cicatriz, risca umas marcas profundas e inquietantes.
Aliás umas marcas que não cicatrizam direito, umas úlceras que queimam sempre e estão ali, vez ou outra, dando a pontada para nunca esquecer.
Esses petardos são necessários, forjam o caráter, definem a pessoa. Deturpam a realidade, escondem as razões e reduzem a reação. Quase um luto, um ranço, um ódio, uma autocomiseração fétida, eu sei, eu sei, mas sou assim mesmo e não mudo. A teimosia, a teimosia.
Eu tinha umas ideias de escrever, viajar, tirar fotos, arrancar suspiros e elogios por tudo que eu criaria. Aí conheci uns ateus ferrenhos, do pior tipinho: inflexíveis, demagogos e extremistas. Eles queriam o mesmo que eu: arrancar suspiros e elogios por umas obras que nem sabiam ao certo o que eram, mas ficariam cravadas nos anais da história como alguém, de certa forma, notável e relevante à humanidade.
Entrei em modo parafuso espanado da rosca infinita porque a finalidade da minha obra era diferente mas ao mesmo tempo tendia para o mesmo caminho tacanho de reconhecimento e posteridade daqueles dois tapados.
Lembra que o meu clã de silvícolas, ali acima, tende ao isolamento natural?
Pronto.
Agora eu quero que meus escritos vão para o fogo fato. Meu alimentador de fotogramas nas redes sociais está de torneira fechada há 2 anos; não converso nem dou satisfação. Virei um fantasma virtual. Por birra de dois mentecaptos alienados.
Pois bem todo mundo deveria perdoar seus desafetos do passado. Tentar esquecer o que de mal fizeram e bola pra frente. Mas eu sigo no ‘forgiveness is not about forgetting’ o que é meio burro também porque é mais ou menos não perdoar.
A desgraça toda desse sistema de comunicação atual é que tudo precisa do bendito ‘networking’ que é saber mamar certo quem dá o leite gordo. E, camaradinha… Eu tenho vontade de dar nos dedos de quem faz isso. A conversa de meritocracia, da escadinha do sucesso.
O artista é aquele maltrapilho comercial que se veste bem na vernissage, não o doidão que corta a orelha e tem contaminação de chumbo. Eu não quero ser o bem vestido vivo nem o grande artista póstumo. Dilema simplório do herói morto e do covarde vivo, entende?
E é nessa onda que eu comecei a me descolar da onda, perder tração, ganhar uma viscosidade oleosa e afastar o bololô de massa.
Eu quero é mais, quero o rasgar de vestes, o ranger dos dentes, desprender do mundo confortável e seguir pro desconhecido, desbravar cada canto do mundo, levar tapa, correr de vaca brava e sei lá, talvez até morrer de forma burra em algum canto obscuro do planeta. Rindo muito, no final das contas, porque eu fui idiota ao quadrado.
Vem comigo que é garantia de sucesso.
Mesa de barzinho, 5 ou 6 amigos, mocinha loira com o braço do mais bacana sorridente atravessando seu ombro. Um ruivo pigarreia e se põe a declamar um de sua safra mais anunciada.
"O que é então a carne em si mesma?
Podemos olhá-la e sentir apenas desgosto
Ou podemos vê-la bêbada num riozinho
Ou morta num caixão
Porque o mundo está pleno de carne
Como o balcão do açougueiro
E pleno de velas no começo do inverno
Mas é só quando levamos uma para casa
E a acendemos
É que ela pode nos oferecer um conforto"
A mocinha faz "ron-ron" de gatinha, sentindo uma maior pressão da mão do bacana. Sorrisos esboçados, alargamento da fensa labial de uns 2, 3 cm no máximo. Gordinho de acne do canto, bebe, suspira, alveja com a boca "Não é seu" "Como?" "É do Godard, quer dizer, não sei se é dele, mas é uma poesia de um filme dele, Je Vous Salut Marie, quer dizer, não sei se o nome é mesmo esse, de francês mal sei além do "oui" coisa que o valha, enfim".
Entreolhares, bacana tamborila na mesa, mocinha passa dedo na borda do copo, algum silêncio. "O certo é Je Vous Salue Marie", ruivo ainda tenta resgatar reconhecimento. Cenho franzido discreto de algúem próximo, de novo silêncio. Ruivo lambe os lábios e se concentra apenas na cerveja.
A Invasão russa no território ucraniano se tornou guerra no meu campo de entendimento quando a primeira ofensiva não provocada sobre o território foi feita de forma premeditada e com o intuido de derrubar o Estado, não da tomada do poder direto (que é quase igual mas diferente).
Essa guerra violou as normas, princípios e fundamentos do direito internacional, tal e qual o UN Charter (1945); Acordo de amizade, cooperação e parceria entre Ucrânia e Russia (1997); Fronteiras UA/RU (2003); Azov e Kerch (2003).
A Rússia segue uma linha bélica de informação brilhante, o sinônimo de guerrilha moderna híbrida: são inúmeras áreas de cobertura e estratégias complexas que envolvem elementos, atores, situações ocidentais e outros conflitos regionais como Siria e Paquistão.