0020/ Assobiar no escuro para atrair Curupira
Destampagem Sônica™ | Cauda Monga | Várias metades
Para ler e tentar uma Destampagem Sônica™: Dragomir romanești.
Destampagem Sônica™
Muito ainda irá se discutir sobre onde surgiu a onda da "Destampagem Sônica". A escola suíça advoga que seu início ocorreu em 1976, na subida automotiva dos Alpes, época em que rápidas autopistas foram contruídas nas grandes montanhas. Evander Moolwind defende o pioneirismo dirigindo seu Trans-Am pelas Rochosas em 1975; no entanto registros confiáveis dão conta de que, agradando as matronas ufanistas, Ednardo Soares já dava mostras de técnicas DS´s na subida do Clube Serrano Cratense, em Crato-Ceará-Brasil nos idos de 1973.
O próprio Ednardo cedeu-nos um pouco de seu tempo para esclarecer os leigos e tentar desmistificar idéias negativas a respeito do movimento. A epístola abaixo é reproduziada ipsis literis de seu tratado DS™:
Análise sintética preliminar
A destampagem é definida como uma transformação no órgão vestíbulo-coclear proveniente da recepção de músicas, com o objetivo da redescoberta da canção furando a expectativa pessimista; a epifania em uma expectativa mais otimista.
O praticante deve selecionar algum disco, K7 ou pen-drive e tocar no som do carro, enquanto parte de uma altitude baixa e vai trafegando por uma rota em que haja elevação de altitude. Pouco a pouco vai ocorrendo uma "tampagem" da audição em virtude da altitude, e quando o praticante se vê preparado psicologicamente, deve efetuar a "destampagem" momento em que o som retoma sua clareza ao novo auscultar. Enfatiza-se a abordagem espiritual, e muitos praticantes levam isso muito a sério, procurando realmente um vislumbre de uma Revelação Quântica™ (in: Coach Quântico T4 ß3º).
A Metafísica Quântica™ em torno da DS™
A destampagem tem como premissa básica a equalitação paramétrica das ondas sonoras espiraladas com a amplitude coclear. Conforme o gráfico abaixo, toda onda sonora que atinge a orelha tende a se espiralar em uma escala fibonática, tornando o fluxo sonoro mais intenso e vívido:
A "tampagem" é um fenômeno simples que ocorre na membrana timpânica (firmemente fixada ao conduto auditivo externo por um anel de tecido fibroso, chamado anel timpânico). Ao submetermos o organismo a um ambiente pressurizado, a Lei de Boyle exerce a inversibilidade bárica, forçando o deslocamento da membrana para dentro do ouvido.
A "destampagem" ocorre quando se realiza a manobra de Valsalva: um fluxo de ar previamente inspirado migra pelo canal de Eustáquio até o ouvido médio. Essa equalização elastiza o tímpano e o reverte à forma original, realçando novamente toda a sensibilidade auditiva.
Equipamentos tecnossônicos
Há pessoas que praticam com bicicletas; outras, de carroça. Realmente não existe incentivos desta metodologia, uma vez que o ouvido se adapta aos poucos à altitude e não há como "tampar". Outrem tentam de moto com fones acoplados em tocadores portáteis ou celulares modernos, porém a pressão não atua bem nos ouvidos tampados e o próprio barulho do atrito com o ar dificulta a apreciação do ponto mágico. A orientação é para que subam de carro e com os vidros semi-cerrados.
A DS Music™
Eis uma contribuição da tecnologia que veio para ajudar a prática. A DS Music™ seria uma derivação catalã da new age de Kitsumi Hanara experimentada nos Pirineus.
A audição estática dos discos não evoca grandes emoções, pois são músicas exatamente projetadas para uma destampagem de velha escola. Em determinado trecho dos discos há interlúdios permeados de ruídos cibernéticos que retomam movimentos caóticos coincidindo com o momento que os ouvidos são destampados. O praticante pode treinar para engulir determinada quantidade de saliva no momento apropriado ou deixar a natureza e a habilidade do compositor docemente abrir caminho para a mágica entrar na tuba auditiva.
Para facilitar existe a divisão ALTVEL em que, através de uma tabela e computando a velocidade média de seu veículo, altitude e inclinação do trecho rodado, tem-se o exato momento de iniciar a partir da faixa 1 ou 6. Alguns experimentam gravar em fita ao contrário e assimilar o que dizem ser novas epifanias, mas francamente ainda não há comprovação.
A indústria cultural e os MCM
O mercado sempre encontra um meio de cooptar determinado movimento alternativo, reembalar e vender com uma embalagem mais atrativa e desvirtuada do conceito original. Esse é um ponto delicado e contracensual.
A velha-guarda da DS™ oprime reclames televisivos que enunciam galanteios como: "Fiat Sonic! Sua aceleração e mecanismo interno de pressão modular garante uma "destampagem" que é um barato!". (in Fiat comercialis completum, 1992) ou então "Novo Daewoo Destam-P: agora com um computador eletrónico que contabiliza o exato momento da DS coletiva, regulando os falantes individualmente." (in Daewoo comercialis completum, 1993)
Estes aprimoramentos são válidos e pesquisas mostram que muitos novos adeptos da DS™ iniciaram-se com estes comodismos. A discussão que ainda está longe de se acalentar tem a mesma retórica da linha que dividiu a fotografia análogo-manual da fotografia eletro-digital. "Um fotógrafo digitalista jamais chegará ao nível de um filmocentrista. Nunca um byte se assemelhará com um grão de prata" (Hermenciano Filho, fotógrafo analógico: in Fotografia química: processos e segredos. 1995)
A "destampagem" é uma propriedade natural, que deve ser preservada e referida como tal. Algo muito íntimo e sutil que nenhuma companhia automotiva pode apreender através de uma linha de montagem uniformizada. Um veículo, por si só, é apenas uma ferramenta. A arte, antes de tudo, necessita de um artista.
Mito ou Verdade?
A Destampagem Sônica™ pode causar danos no tímpano.
Mito. A DS™ é um efeito estudado há décadas. Os únicos relatos de DS™ danosos foram emitidos em formação experimental de mergulhadores autônomos que praticaram DS™ com nitrogênio inalável em grandes profundidades (vide normatizações e proibições de DS™ subaquáticas). A DS™ aeroviária e a DS™ rodoviária são inócuas e totalmente inofensivas.
O barulho do motor do carro influencia na qualidade da DS™.
Em termos. Após a introdução do Chevrolet Volt, o primeiro carro hibrido-elétrico em 1993, uma nova modalidade de DS™ foi introduzida: a DS™ por elevação elétro-acústica. Carros movidos por motores à combustão emitem ondas sonoras de redundância cíclica que neutralizam quaisquer interferências sonoras exteriores, conforme o gráfico abaixo compara. As DS™ são atribuídas — por estudo e padronagens — com o farfalhar dos cílios de um dente de leão, em ciclos de vôo.
DS™ vicia.
Mito. O único modo de um DS’esser viciar é a partir do prazer aliado à prática. Não existem estudos que comprovem que a DS™ vicia quimicamente o organismo. O que se associa por erro é o vício psicológico — o mesmo do sexo — que em nada tem a ver com a DS™.
Existem sons que se assemelham à DS™.
Verdade. Muitos pesquisadores inventaram maquinários, câmaras báricas e parafernálias complexas que simulam com um grau de perfeição uma DS™ genuína. Mas são aparelhos que em muito passam o valor orçamentário de um veículo, inviabilizando-as na hora. Anne-Marie Bruneau, uma mitômana sagaz, descobriu em 1968, que a DS™ possui um aliáse comparativo: o espocar de um champagne. Apesar do curto momento, o som surdo e seco do espocar excita os cilios cocleáticos da mesma maneira e intensidade. Goldwin Richards tentou provar com uma arcada de violoncelo em uma taça de cognac VSOP que o assoviar ressonante da fricção simulava com sucesso uma DS™. O estudo provou que os cílios não se excitavam como uma DS™ genuína.
A DS™ influencia na surdez momentânea da diferença de pressão.
Mito. Uma Destampagem Sônica™ possui o mesmo espaço de tempo de uma Destampagem Natural©. A única diferença está na magnitude e modularização da onda resultante. E no prazer que uma DS™ proporciona.
Depoimentos de usuários
"Aconteceu numa sexta-feira quando subia a Serra do Mar escutando Björk com minha prima. Nossa! Foi muito show!" – Aristoclelson, 17 anos
"Cara, foi muito legal! Eu já tinha tentado antes com Dub, Trip-Hop e King Crimson, mas a destampagem escutando a banda Revelation Ear foi um achado! Deve ser a melhor banda DS™ da atualidade!" – Arlete, 25 anos
"Eu achava que a DS™ era mais uma daquelas seitas loucas orientais. Descobri em meados de 1980, quando viajei de Londres para Birmingham. Quando voltei para o Brasil, fiquei receoso de que carros que não usassem mão inglesa pudessem causar o mesmo impacto. Mas qualquer carro gera o mesmo efeito!" – Paulinho, 43 anos
"Na realiadade, eu só faço a DS™ quando estou com uma gata no carro. Elas ficam loucas quando acontecem e nem tem idéia do que foi. Algumas acham que é efeito de tóxicos, outras, que estão tantans!" – Éderson, 23 anos
Cauda Monga
Termo utilizado pela primeira vez no blog Pau no Cool Hunter (2008). A Cauda Monga – que vai ironicamente de encontro à Cauda Longa de Chris Anderson –é definida como "aquele pitoresco setor grande o suficiente para não ser um mero nicho, e demente demais para curtir as sutilezas imbecis que você (profissional criativo que está por dentro das últimas tendências) produz."
Uma metade minha anda feliz. Com sapatos bem polidos, caprichosos, refletem a vida em uma angular distorcida. Longe de mim e feliz.
Outra metade, contemporiza de um lado. Bebe um vermute e fuma cigarrilha de folha de parreira. Alheio de mim, displicente.
A terceira metade, essa sim, insiste na regra dos terços: não toma partido; não se mete nessa ondinha beatnik de bipolaridade existencial. Insiste que comiseração e auto-piedade não vão servir de nada. Culpa a felicidade — tal e qual uma borboleta filha da puta — que sempre se evade de quem a busca com assombro. A borboleta sabe que a hora que apertarem suas belas asas, virará comida de formiga ruiva.
E por mais que esse terço realista espere e saiba do vôo errôneo do inseto, ela [a tal papiliona] não pousará no meu ombro.